Um projeto de usina solar pode ser dividido em três partes:
- Sistema de geração: composto pelas placas, inversores, circuitos de distribuição de baixa tensão em corrente contínua e alternada;
- Sistema de aterramento: promove a segurança pessoal e de equipamentos de toda a instalação e;
- Sistema de média tensão: composto pela cabine de média tensão, transformação e circuitos de distribuição.
A cabine primária de média tensão é a parte do projeto que integrará a instalação da geração com o sistema de distribuição da concessionária.
Para a sua concepção é importante observar as normas brasileiras NBR 14039 – Instalações de Média Tensão, NBR 5419 – Proteção contra descargas atmosféricas, NBR 5410 – Instalações de Baixa Tensão, entre outras.
Além disso, atender as respectivas normas técnicas de fornecimento de energia das concessionárias. Isto porque cada concessionária tem suas próprias características sistêmicas que devem ser atendidas para uma operação segura e confiável.
Cabine de média tensão
O dimensionamento da cabine de média tensão ou, cabine primária, deve considerar a capacidade de geração e de carga do empreendimento e observar as características do sistema de distribuição ao qual estará ligado.
Portanto, a configuração da cabine dependerá da concepção do projeto da usina, em que a capacidade de geração é um fator relevante. Melhor explicando, uma cabine é composta por três setores:
- Medição de faturamento;
- Proteção e;
- Transformação.
Dependendo da capacidade da usina, estes três setores podem ser abrigados em um mesmo ambiente. Para usinas de capacidade acima de 1 MW, costuma-se usar o setor de transformação separado dos setores de medição e proteção.
Neste caso, os transformadores de acoplamento, que fazem a interface da usina com a rede da concessionária, ficam próximos dos inversores. Daí a necessidade de construção de um circuito (rede) de média tensão, interligando o setor de proteção com o setor de transformação. A Figura 1 mostra estas configurações.
a) b)
Se por um lado o setor de transformação pode estar distante dos outros setores, é importante saber que tanto em uma como em outra configuração, os setores de medição e proteção devem estar próximos. Por isso, uma cabine de média tensão pode ser concebida com três ou dois setores. A cabine primária pode ser abrigada ou ao tempo, como mostrado nas Figuras 2 e 3.
Existem ainda os postos transformadores simplificados (Figura 4), em que o transformador é instalado em um poste. Neste caso, a medição de faturamento e proteção de baixa tensão fica abrigada em uma cabine específica.
No caso de minigeração, a maioria das concessionárias exige que a cabine seja abrigada, podendo ser em alvenaria ou mesmo blindada. É certo que as cabines em alvenaria têm um custo menor que as blindadas, porém muitos fabricantes já são homologados pelas concessionárias, atendendo aos seus requisitos técnicos. É oportuno então, fazer uma avaliação econômica de qual instalação seja melhor.
Setor de Medição
O setor de medição (Figura 5) é a área em que a concessionária instalará seus equipamentos de medição. Neste setor, o projeto de cabine deve permitir a instalação dos transformadores de corrente e de potencial, os famosos TCs e TPs, que servirão para medição de faturamento. O projeto deve atender aos aspectos dimensionais, de segurança e de acesso requisitados pela concessionária.
Setor de Proteção
Este setor é o responsável pela proteção da usina, principalmente na zona de proteção entre o ponto de conexão com a distribuidora até os bornes primários dos transformadores de acoplamento (Figura 1). Os componentes principais deste setor são: disjuntor de média tensão, relé de proteção, transformadores de corrente e de potencial. O cubículo deve ser dimensionado para receber estes equipamentos e estar em acordo com os requisitos de cada concessionária.
O disjuntor é o equipamento responsável pelo seccionamento intencional ou não da conexão da usina com o sistema de distribuição da concessionária. Por isso, deve ser capaz de interromper corrente de carga e de curto-circuito, não só da instalação interna da usina, como também da rede da concessionária. É um equipamento que pode ser manobrado manualmente ou automaticamente.
Relés de proteção
O disjuntor por si só não interrompe um curto-circuito ou mesmo uma corrente de carga. É necessária uma ação humana ou de um relé para que ele atue. A operação automática do disjuntor depende do relé. O relé é um equipamento que concentra diversas funcionalidades e que envia comando de abertura e fechamento para o disjuntor.
O acionamento de abertura ou fechamento do disjuntor controlado pelo relé dependerá da sua programação ou como mais conhecido, da sua parametrização. Assim, temos o relé que executará a automação do disjuntor, mas, como é feita esta detecção de anomalias no sistema? O relé é o dispositivo que vai perceber e medir os eventos do sistema e verificar se estão dentro de determinados parâmetros elétricos.
O relé recebe os sinais do sistema de média tensão dos sensores ligados a ele como os transformadores de corrente e de potencial (Figura 6). Estes sensores devem ser dimensionados adequadamente em função das características nominais e dos níveis de curto circuito presentes no sistema a que estão ligados.
a)
Estudo de proteção
As anomalias no sistema elétrico costumam ocorrer em forma de curto-circuito, sobretensão, subtensão, variação de frequência entre outros. Quando há a inserção de um gerador fotovoltaico na rede da concessionária o nível de curto-circuito da rede aumenta, pois há agora a contribuição de uma corrente vinda do gerador.
Isto contribui para que o nível de curto-circuito aumente em todo o sistema elétrico. Cabe ao projetista avaliar essa elevação para que todos os componentes do sistema estejam adequados a suportá-lo. As concessionárias, por exemplo, têm como requisito um determinado valor de curto circuito que não pode ser ultrapassado.
No estudo de proteção, o projetista deve avaliar as contribuições de curto circuito que causarão a ativação das proteções da sua cabine. Se o curto circuito for dentro das instalações da usina, a contribuição de corrente que passará pela cabine é a da concessionária (Isist – Figura 7).
Se o curto-circuito for na rede de distribuição da concessionária, a contribuição para o curto-circuito será da própria geração (Iger – Figura 8).
Quando o curto-circuito é interno à usina, o projetista deve garantir a seletividade entre as proteções da concessionária e da usina. Ou seja, o equipamento de proteção mais próximo ao curto-circuito deve atuar primeiro. Tomando como referência a Figura 8, deseja-se que para defeito interno à usina, o disjuntor “D usina” atue antes do disjuntor “D distr” (proteção de retaguarda) para que haja seletividade entre estes equipamentos de proteção.
Esta análise é interativa e demanda várias tentativas até que sejam atendidos os requisitos de proteção, como ajustes de pick-up, temporização com uma certa diferença de tempo entre as proteções envolvidas, corrente de magnetização dos transformadores etc.
Seletividade
Seletividade é a capacidade do equipamento de proteção mais próximo da falta de antecipar, sempre, a atuação do equipamento de retaguarda, independente da natureza da falta ser transitória ou permanente.
A Figura 9, ilustra bem este conceito: uma falta que ocorra no Ponto 1, o Religador R1 deverá atuar antes do Disjuntor D1 para que se garanta a seletividade entre estas dois equipamentos de proteção. Já para falta no Ponto 2, deseja-se que o Disjuntor D2 atue antes do Religador R1.
Assim, para faltas dentro da usina, o engenheiro de proteção deverá promover ajustes nas proteções da cabine de média tensão para garantir que ocorra a seletividade com as proteções de retaguarda (concessionária) para faltas internas à usina. Esta análise é interativa e demanda várias tentativas até que sejam atendidos os requisitos de proteção, como ajustes de pick-up, temporização com uma certa diferença de tempo entre as proteções envolvidas, corrente de magnetização dos transformadores etc.
A seletividade pode ser visualizada e estudada com a construção de um gráfico em escala logarítmica de Tempo x Corrente. Este gráfico é conhecido como coordenograma e deve conter as curvas de proteção da concessionária e da usina, como visto na Figura 9. No coordenograma mostrado, a curva azul representa os ajustes das proteções da concessionária, enquanto as curvas vermelhas representam os ajustes das proteções da usina. Normalmente são empregadas 4 tipos de curvas:
- NI (Normal Inversa);
- MI (Muito Inversa);
- EI (Extremamente Inversa);
- TD (Tempo Constante ou Tempo Definido).
Estas curvas são padronizadas pelas normas IEC e IEEE e podem ser escolhidas a critério do engenheiro de proteção para atender aos requisitos de proteção. Os relés atuais além de permitirem a escolha de qualquer uma dessas curvas, permite ainda desenhar uma própria. Os ajustes propostos no estudo de proteção e coordenogramas serão avaliados pela concessionária. Através dos coordenogramas é que a concessionária verificará se os ajustes propostos estão seletivos com as suas proteções.
Circuito de Média Tensão
Se a usina for concebida para ter o setor de transformação distante do ponto de conexão com a concessionária, haverá necessidade de construção de uma rede de distribuição de média tensão. Esta rede pode ser aérea ou mesmo subterrânea (Figura 11), esta última a mais aplicada em usinas fotovoltaicas.
No projeto de uma rede subterrânea, devem ser considerados os fatores de correção de capacidade de condução de corrente definidos em norma, como de temperatura do solo, resistividade térmica do solo e agrupamento para a escolha do condutor que permita escoar toda a energia produzida pela usina. A rede de média tensão também deve ser protegida pelas proteções da cabine primária quanto a sobrecarga e curto-circuito.
Setor de Transformação
Na concepção do projeto do setor de transformação é importante decidir que tipo de transformador será utilizado, a óleo ou a seco. Apesar do transformador a óleo ter um custo inferior ao isolado a óleo, deve ser considerado no projeto o custo de adequação da infra-estrutura.
De acordo com a norma NBR 14039 e normas de fornecimento das concessionárias, o local de instalação de transformador a óleo deve prever uma caixa de contenção para a eventualidade de um vazamento de óleo, como exemplo mostrado na figura 11.
O transformador tem a função de viabilizar a conexão do sistema de distribuição da concessionária com a geração da usina. Por isto é conhecido como transformador de acoplamento. Na sua especificação deve ser considerada a tensão nominal do sistema de distribuição da concessionária, bem como a tensão nominal de operação dos inversores que estarão ligados a ele.
Os transformadores são construídos com derivações nos enrolamentos primários, chamados de tap. Por exemplo, num sistema de 11,9 kV, a usina pode ser instalada em um local onde a tensão de fornecimento seja 11,4 kV. Para que a tensão secundária fique o mais próxima de 1 pu, é interessante que o transformador tenha uma derivação primária de 11,4 kV.
As concessionárias indicam os taps que um transformador deve ter em função da tensão nominal do sistema de distribuição. Além disso, o projetista pode especificar outros taps, conforme a necessidade. Outro fator importante a ser avaliado na especificação do transformador é a presença de componentes harmônicas causadas pelos inversores, ou seja o cálculo do fator K.
Este fator indica as perdas que determinado transformador terá em função das harmônicas geradas por cargas não lineares. Fator K unitário é o transformador convencional e fator K maior que 1, indica que o transformador deverá ter um projeto que suporte as perdas decorrentes das harmônicas presentes.
Assim, é importante que, na aquisição do transformador, seja apresentado ao fabricante o relatório de componentes harmônicas causadas pelos inversores. A proteção do transformador pode ser promovida pela própria cabine primária, disjuntor de entrada no ponto de conexão ou mesmo pode ter uma proteção no setor de sua instalação. Isto vai depender da análise de proteção da instalação.
Se for adotada proteção junto ao transformador, o relé não precisa ter as mesmas funções da cabine de média tensão, podendo ser um relé com menos funções. Outra possibilidade é utilizar proteção diferencial, porém menos aplicada na maioria das instalações para transformadores menores que 5 MVA.
Curso de cabine primária
Os itens informados acima são apresentados com mais detalhes no curso de cabine primária promovido pelo Canal Solar, onde o projetista receberá orientações para:
- Dimensionar os principais equipamentos de uma cabine primária;
- Dimensionar a rede de média tensão;
- Roteiro para elaborar um estudo de proteção;
- Construção de coordenogramas, com aplicativo a ser disponibilizado;
- Elaborar cálculo de curto-circuito por um aplicativo.