Com colaboração do Leonardo Balbino
O primeiro trimestre de 2021 foi marcado por decisões e determinações governamentais que corroboram o cumprimento da agenda de modernização do setor elétrico.
Podemos comprovar tal afirmativa a partir da sanção presidencial da Lei 14.120/2021, resultante da conversão da MP 998/2020 e da publicação da MP 1.031/2021, a qual dispõe sobre a capitalização da Eletrobras e permite ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) dar início aos estudos da modelagem da capitalização.
Nesse sentido, também houve movimentação relevante no que se refere à GD (geração distribuída).
Mas foi no final do ano passado, em dezembro de 2020, que após a prolação do Acórdão TCU 3.063/2020 foi publicada a importante resolução CNPE 15/2020, definindo as diretrizes e políticas para a GD.
Posteriormente, em 8 de março de 2021, o deputado Lafayette de Andrada, Republicanos/MG, apresentou um novo texto-base para o PL 5829/19, que tem como objetivo instituir o Marco Legal da GD no Brasil.
Tendo em vista o cenário favorável para as mudanças estruturais do setor elétrico e a fim de elucidar o quadro futuro para a GD, bem como compreender as diretrizes que deverão ser adotadas na tão esperada reforma do sistema de compensação de energia, antes devemos observar a estrutura institucional do setor elétrico brasileiro.
Pois, somente assim estaremos ambientados às principais discussões travadas para o avanço da regulação que trata do mecanismo da GD. Neste sentido, indagamos: afinal, o que é o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) e por qual motivo ele fixou as diretrizes para a GD?
O CNPE possui as seguintes funções:
- assessorar o Presidente da República para a formulação de políticas e diretrizes para o setor de energia elétrica; e
- indicar ações a serem tomadas pelo governo federal com assessoria técnica das agências reguladoras.
Isto posto, compreendemos facilmente por que o CNPE foi eleito para a formulação e a publicação da resolução supracitada, apontando todas as premissas que deverão ser adotadas para a evolução da GD no país. Cabe ao CNPE fixar as políticas e diretrizes para o setor de energia.
Continuamente, evidenciamos as seguintes instituições que também participam da estrutura do setor de energia:
- O MME (Ministério de Minas e Energia): responsável por formular e assegurar a execução de políticas públicas para a gestão sustentável dos recursos energéticos e minerais, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico do país;
- O CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico): tem a função de acompanhar e avaliar permanentemente a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético em todo o território nacional;
- A EPE (Empresa de Pesquisa Energética): tem por finalidade de prestar serviços ao MME na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, cobrindo energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados e biocombustíveis;
- A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), a qual é responsável por (i) regular a geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica; (ii) fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões, as permissões e os serviços de energia elétrica; (iii) implementar as políticas e diretrizes do governo federal relativas à exploração da energia elétrica e ao aproveitamento dos potenciais hidráulicos; (iv) estabelecer tarifas; (v) dirimir as divergências, na esfera administrativa, entre os agentes e entre esses agentes e os consumidores, e (vi) promover as atividades de outorgas de concessão, permissão e autorização de empreendimentos e serviços de energia elétrica, por delegação do Governo Federal;
- O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico): responsável pela coordenação e pelo controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no SIN (Sistema Interligado Nacional) e pelo planejamento da operação dos sistemas isolados do país, sob a fiscalização e a regulação da ANEEL, e por fim;
- A CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica): atua como operadora do mercado brasileiro de energia elétrica, voltada à viabilização de um ambiente de negociação competitivo, sustentável e seguro.
Tendo compreendido a estrutura institucional do setor elétrico brasileiro, bem como as funções das instituições, evidenciamos as diretrizes nacionais para políticas públicas voltadas à GD, dispostas na resolução CNPE 15/2020:
- acesso não discriminatório do consumidor às redes das distribuidoras para fins de conexão de GD;
- segurança jurídica e regulatória, com prazos para a manutenção dos incentivos dos atuais consumidores que possuem GD;
- alocação dos custos de uso da rede e dos encargos previstos na legislação do setor elétrico, considerando os benefícios da GD;
- transparência e previsibilidade nos processos de elaboração, implementação e monitoramento da política pública, com definição de agenda e prazos de revisão das regras para a GD; e
- gradualidade na transição das regras, com estabelecimento de estágios intermediários para o aprimoramento das regras para a GD.
Assim, independentemente, se houver uma reforma da REN 482/2012 no âmbito da ANEEL ou se houver a criação do marco legal da GD no Congresso Nacional, todas as premissas acima deverão ser observadas e implementadas para a correta evolução do Sistema de Compensação de Energia, independentemente de posição técnica ou divergência conceitual sobre os benefícios e impactos da GD no setor de energia.
O ponto gerou debate com a recente posição da ANEEL divulgada no encontro com as principais associações do setor de energia sobre as alterações da REN ANEEL 482/2012, que em resumo baseia-se nas seguintes modificações:
- mantém as regras para os sistemas instalados apenas pelo período de 12 anos (direito adquirido);
- aplica uma alternativa (cenário 5) mais impactante ao mecanismo de GD;
- não estabelece uma regra de transição; e
- não considera os benefícios da GD para o sistema.
Essa posição da ANEEL observa na essência as diretrizes fixadas pelo CNPE? Por uma interpretação literal, a menos que a agência reguladora apresente a motivação para a sua posição, evidencia-se que as diretrizes não estão sendo observadas.
Ao passo que agora sabemos que o CNPE tem competência para estabelecer as diretrizes acima dispostas, partimos para a análise de viabilidade do novo texto base do PL 5829/19. Sabe-se que o texto recentemente apresentado se pautou nas seguintes premissas:
- democratização do uso da energia solar no Brasil;
- segurança jurídica, clareza e previsibilidade para pequenos e grandes investidores que desejam instalar fontes alternativas de energia em suas propriedades ou empresas;
- remunera integralmente a TUSD fio B das distribuidoras e concessionárias; e
- cria uma transição de 10 anos para mudança do regime de cobrança.
Note a seguir o detalhamento relativo à gradualidade na transição das regras preparado pela ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída):
Ao contrário do que ocorre com a interpretação da posição da ANEEL, na nossa avaliação o novo texto-base do PL 5829/19 atende as diretrizes dispostas pela na resolução CNPE 15/2020.
Deste modo, podemos esperar que em breve as regras de GD serão alteradas com a preservação de regras atuais e garantias necessárias para que os benefícios existentes sejam diminuídos de maneira gradual, permitindo a manutenção da expansão do modelo no país.