Artigo publicado originalmente na 20ª edição da Revista Canal Solar
As ondas de calor que vivenciamos no período de 12 a 18 de novembro de 2023 tendem a ser mais frequentes e com maiores intensidades em função das mudanças climáticas que já estão em curso.
Estudos do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) apontam que com o aumento da temperatura do planeta, eventos extremos como aumento de temperatura além de outros relacionados com as variáveis climáticas tendem a se agravar.
O aumento médio da temperatura e suas oscilações acabam por aumentar a demanda de energia apresentando picos de potência. O gráfico da figura 1 apresenta a relação entre aumento da temperatura e aumento na demanda do sistema observando o histórico disponível no sítio do ONS.
Dependendo da temperatura média do dia, o aumento de um grau durante o dia provoca ou não aumento da carga elétrica. Para temperaturas médias baixas, o aumento de um grau pode representar diminuição da carga elétrica muito comum nos países do hemisfério norte.
No caso brasileiro, com temperaturas médias de 23 a 25 graus, o aumento de 2 graus corresponde a um aumento de 2.1 % na carga do sistema na região Sudeste. Esta relação é explicada pelas cargas de refrigeração e climatização que são mais críticas no início da tarde quando a incidência do sol é mais forte.
Esta relação observada no histórico tende a aumentar pois cada vez mais o consumidor vai procurar minimizar o desconforto devido ao calor.
Variação da carga em função da variação da temperatura. Fonte: MC&E para PEE 2050 Estado de São Paulo em consulta pública
O gráfico mostra também que para períodos com temperaturas iniciais médias em torno de 17 a 19 graus, a variação positiva de 2 graus provoca um pico na carga bem menor podendo ser até negativa para temperaturas mais baixas. Isto mostra a não linearidade da resposta da carga com a variação de temperatura que deve ser considerada.
Voltando ao período de altas temperaturas observadas em novembro, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, por exemplo, onde está concentrada a maior carga do sistema elétrico brasileiro foram observados picos de demanda basicamente em torno das 14 horas, em especial na quinta-feira (dia 16 de novembro de 2023) que chegou a 61.482 MW.
Neste mês, poderíamos ter tido problemas de potência no SIN (Sistema Interligado Nacional). A figura 2 apresenta as curvas de carga dos quatro dias úteis da semana e da quarta-feira que foi um feriado.
Carga global e geração da MMGD. Fonte: Dados do ONS
No mesmo gráfico da figura 2, em amarelo, está também a curva de geração da MMGD (micro e minigeração distribuída) que nesta semana praticamente não houve nuvens nesta região. No momento de demanda máxima tivemos um total de geração distribuída de 7.338 MW que aliviou o pico de demanda conforme mostrado no gráfico da Figura 3 onde é plotada a curva de carga líquida.
Carga líquida considerando a GD. Fonte: Dados do ONS
Graças a dois fatores não tivemos problemas de falta de potência e consequente alteração na frequência do sistema: os reservatórios das hidrelétricas do sudeste que estavam com níveis satisfatórios e a geração distribuída.
Verifica-se que o pico de demanda sem a GD (geração distribuída) ocorreria no dia 14 às 14 horas com o valor de 61.482 MW. Considerando a GD, o pico passou a ser de 54.144 MW às 14 horas do mesmo dia. Houve, portanto, uma diminuição na ponta do SIN de 7,34 GW devido à GD, ou seja, 11,8%.
Isto demonstra que o benefício da GD não é desprezível até no deslocamento de geração térmica, ou seja, muitas térmicas contratadas poderiam não ser necessárias.
É claro que a ponta não é coberta só pela GD e térmicas foram acionadas, mas é importante salientar que além deste benefício conjunto ao SIN, ela está situada muito próximo à carga aliviando as redes de transmissão e distribuição nestes horários. Este alívio minimiza o investimento em expansão das redes tornando o sistema mais eficiente.
Dado que a GD é predominantemente de fonte solar, existe a preocupação quanto à diminuição da geração em períodos com nuvens e com precipitação. No entanto, com a diminuição da incidência solar nesses períodos, a carga de climatização e refrigeração diminui também, ou seja, existe uma correlação positiva minimizando o pico de potência.
Na audiência pública do aprimoramento da REN 482/12 em 2019 (AIR 1/19), a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) utilizou nos cálculos dos benefícios da GD a métrica ELCC (Equivalent Load Carrying Capacity) que identifica a contribuição da fonte energética para a confiabilidade do sistema quando há um incremento de carga.
Foi observado que a fonte solar no Brasil tem um ELCC maior que nos EUA devido ao horário da ponta do sistema. A contribuição da GD no Brasil tem uma característica peculiar não observada em países de clima mais frio.
Infelizmente, naquele mesmo ano, a ANEEL após várias discussões lança a CP 25/19 onde abandona todo o trabalho realizado e impõe todo o custo do fio e encargos livres da compensação de energia apenas a TE.
O efeito positivo da GD medido através do ELCC tende a diminuir com o aumento da penetração por não ser uma fonte despachável. A figura 4 mostra a nova curva caso o nível de penetração de GD solar dobrasse do valor atual e a carga se mantivesse nos patamares da semana do dia 13.
Observa-se a ponta se deslocando ao horário das 20 horas e com um formato próximo à curva do pato (vide a curva da quarta-feira). Importante mencionar que existe uma preocupação real para a operação do sistema com a rampa a partir das 16 horas mas que deverá ser efetiva a partir de índices de penetração de GD muito maiores que em outros países.
Carga Líquida dobrando a capacidade da GD
Quando o aumento da penetração chegar a níveis altos, podemos utilizar soluções como o armazenamento a baterias para melhorar o ELCC e a rampa da curva do pato, que inclusive já é uma realidade fora do Brasil.
Finalmente, é importante que o MME (Ministério de Minas e Energia) e a ANEEL estabeleçam de forma célere as diretrizes e a regulação tarifária observando os custos e benefícios da GD (geração distribuída) conforme determinado pela Lei 14300/22.
Seria interessante usar os conceitos trazidos na AIR 1/19 e atualizá-los buscando resolver o impasse atual. A generalização utilizada aqui traz apenas um alerta para não criminalizar a GD, mas é necessário que no momento de quantificar os ganhos sejam considerados os efeitos particulares nos alimentadores, ou seja, nas redes de média tensão.
As opiniões e informações expressas são de exclusiva responsabilidade do autor e não obrigatoriamente representam a posição oficial do Canal Solar.
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