Desde 2021, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) vem debatendo em sede da Consulta Pública nº 39/2021 o aprimoramento da metodologia de cálculo das TUSD/TUST (Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição e de Transmissão).
Em conclusão da segunda fase da consulta pública, foi publicada a Resolução Normativa nº 1.024/2022, que inaugurou o Submódulo 9.4 dos PRORET (Procedimentos de Regulação Tarifária) e estabeleceu a nova metodologia de cálculo da TUST das centrais geradoras acessantes da rede básica.
A fixação da TUST passará a observar a metodologia de cálculo da envoltória tarifária flutuante. Para as centrais geradoras, isso equivale a dizer que a tarifa aplicada à geradora será inicialmente calculada com base na tarifa do seu barramento de conexão.
A partir do segundo ciclo tarifário, a TUST estabelecida será reajustada anualmente através do IAT (Índice de Atualização de Transmissão), que considera o IPCA e o IGP-M, e pelo índice de risco de expansão da transmissão (Re), limitado à variação de 5% ao ano.
A nova metodologia difere da antiga por dois principais fatores. Primeiramente, porque foi extinta a previsão da estabilização da TUST pelo prazo de 10 ciclos tarifários, a qual passará a ser ajustada anualmente. E segundo, porque a atualização da TUST anteriormente se dava somente pelo Índice de Atualização de Transmissão.
Com essas modernizações, a Agência pretendeu melhor endereçar o rateio de custos tarifários de conexão à rede básica, promovendo a oneração das centrais geradoras que mais demandam do SIN (Sistema Interligado Nacional), bem como evitando a distorção dos custos tarifários para novos entrantes.
Isso porque a TUST dos novos entrantes colidiria com a estabilização tarifária das centrais geradoras já acessantes do SIN. Em efeito colateral, a antiga metodologia também sujeitava os agentes à possibilidade de revisões de tarifa em percentuais elevados, após o término do prazo de cerca de 10 anos da estabilidade tarifária.
Ocorre que a nova metodologia de cálculo da TUST passou a vigorar em 30 de junho de 2022. Com isso, em 14 de julho de 2022, a ANEEL publicou a Resolução Homologatória nº 3.066/2022, passando a aplicar a nova metodologia para as centrais geradoras que haviam sido outorgadas e não tinham TUST estabelecida.
O curto espaço de tempo entre a publicação das normas gerou duas principais fragilidades sentidas pelo setor. É que se esperava um regime de transição que permitisse aos agentes do setor incorporarem os novos custos de TUST no equacionamento econômico-financeiro dos seus projetos.
Em outros termos, é quase que dizer que os 15 dias entre as normas não refletiram um regime de transição efetivo, principalmente para projetos que têm condições de financiamento mais complexas e foram surpreendidos pelos novos valores de tarifa.
A sensibilidade é ainda maior para os projetos que já tinham outorga vigente e que pela regra da metodologia antiga deveriam ter tido, à época da outorga, TUST estabelecida e com estabilidade tarifária por 10 ciclos tarifários, conforme a regra do art. 5º da Resolução Normativa nº 559/2013.
A interpretação conferida foi a de supressão ao direito adquirido desses projetos. Sobremaneira porque o Submódulo 9.4 do PRORET ao prever o regime de transição de aplicação da nova metodologia somente garantiu a estabilidade tarifária para as centrais geradoras com TUST já homologada.
Só que a ANEEL procedeu à homologação da TUST das centrais geradoras outorgadas com base na nova metodologia, negando tacitamente a aplicação do art. 5º da Resolução Normativa nº 559/2013.
O desconforto do mercado se aprofunda porque a terceira fase da Consulta Pública nº 39/2021 está analisando a aprovação da intensificação de sinal locacional para as centrais geradoras.
De acordo com a AIR 02/2021 (Análise de Impacto Regulatório nº 02/2021), a avaliação é de que esse ajuste deve refletir em valores mais elevados da TUST para as centrais geradoras conectadas nos submercados do Norte/Nordeste.
Assim, ainda que para os submercados do Sudeste/Centro-Oeste/Sul haja uma leve presunção de que a TUST definida pela nova metodologia se mantenha sem grandes variâncias, os estudos regulatórios impressos pela ANEEL não refletem as mesmas conclusões para as centrais do Norte/Nordeste.
Em termos práticos, os agentes se dividem entre os questionamentos acerca das ilegalidades na adoção da nova metodologia de cálculo da TUST. Afinal, se está a falar na possibilidade de elevados índices de reajuste tarifário, com adição de novas rubricas de encargos, que podem ser sensíveis a alguns agentes e não impactarem outros.
Entre fragilidades regulatórias e o intento da ANEEL de promover a alocação de custos de um sistema elétrico em franca expansão, é que fica a retórica: senão com a razão, quem está com o direito?