Em meio às discussões das propostas de alteração da REN 482 (Resolução Normativa nº 482) da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) ganhou destaque o documento “Micro e Minigeração Distribuída: Perguntas e Respostas”, publicado pelo Ministério da Economia.
A pedido do Canal Solar, o especialista em mercados de energia elétrica Bernardo Marangon, diretor da Exata Energia e professor no curso Mercado, Regulação e Modelos de Negócios em Energia Solar – ACR e ACL (Mercado Livre) ponderou sobre as perguntas e respostas apresentadas pelos técnicos do ME.
Veja abaixo as considerações do especialista.
A mudança na REN 482 compromete o avanço da energia solar no Brasil?
VERDADEIRO. A energia solar tem um potencial de crescimento muito maior no mercado descentralizado através da GD (geração distribuída), do que por meio da GC (geração centralizada).
O exemplo do leilão apresentado no documento original do Ministério da Economia é equivocado, pois atualmente os empreendedores de geração centralizada buscam os leilões com objetivo de ter um carimbo regulatório para facilitar o processo de conexão e travar a tarifa de uso do sistema, sendo a maior parte da energia transacionada no mercado livre de energia, cuja energia é incentivada em 50% (neste contexto existe um desconto no custo de conexão do cliente que consome esta energia).
O governo é contra a fonte solar?
FALSO. O presidente Jair Bolsonaro já manifestou apoio à iniciativa de geração distribuída. Membros do Senado e da Câmara dos Deputados também já se manifestaram a favor da GD.
O que vemos é um movimento de alguns blocos do governo, entre eles o Ministério da Economia, mostrando-se contrários, apresentando suas teses com argumentos baseados na eliminação de subsídios, os quais não são comprovados de maneira correta.
Mais uma vez destacamos que o preço do leilão não pode ser tomado como referência, pois a maior parte da energia dos projetos será transacionada por meio do mercado livre de energia.
A afirmação apresentada pelo Ministério da Economia relacionada à “arbitragem” é equivocada, pois o negócio apresenta uma série riscos, nomeadamente risco de inadimplência do cliente, risco da área onde o projeto será instalado, risco de construção, risco de performance, risco de conexão e o risco regulatório (com destaque), dado que na proposta da minuta de evolução da REN 482 cogita-se alterar a regra para projetos em operação.
As distribuidoras são as únicas beneficiadas pelas novas regras?
FALSO. Na realidade, a nova regra permite a manutenção da opção de passar para o consumidor a responsabilidade de arcar com as ineficiências do sistema elétrico brasileiro.
De fato, o Ministério da Economia está correto ao afirmar que o aumento da geração distribuída pode gerar custo para os que não geram a sua própria energia.
Porém tem que se destacar que o problema não é causado pela geração distribuída em si, mas pelo atual modelo tarifário que é falho e não captura os benefícios que a geração distribuída proporciona para o sistema elétrico.
Estão querendo “taxar o Sol?”
VERDADEIRO. Talvez a expressão não seja a que melhor descreve o que acontece, mas de certa forma está correta, pois a proposta impede o crescimento da geração distribuída.
A palavra subsídio é utilizada com muita frequência, no entanto de forma equivocada. O atual modelo tarifário não captura os benefícios de otimização do uso dos ativos de distribuição.
Há uma série de iniciativas de melhoria do setor, sendo uma delas o preço de energia horário, que certamente deverá avançar para a tarifa das distribuidoras.
A execução deste modelo é complexa por limitações tecnológicas, mas seria a forma mais justa de cobrar os clientes e pagar os geradores.
No estudo do fictício subsídio apresentado pelo documento do Ministério da Economia, não é considerado o benefício da geração distribuída, que pode evitar investimentos de expansão da rede, além de evitar a utilização de fontes mais caras, gerando um benefício para todos os clientes, o que não é apurado na conta dos R$ 34 bilhões.
As mudanças da REN 482 eliminam todos os incentivos à micro e mini-geração distribuída?
VERDADEIRO. É interessante como a resposta dada pelo Ministério da Economia para este item corrobora com a argumentação e a resposta anterior.
Acontece que apenas os clientes de alta tensão (AT) e média tensão (MT) possuem diferença de tarifa nos horários fora ponta e de ponta.
Mais interessante ainda, o horário de ponta entre 18 e 20 horas não é mais o período de maior solicitação do sistema elétrico, que atualmente é no início da tarde.
Primeiro ponto, os clientes de baixa tensão (BT) não são contemplados com este sistema. Segundo ponto, os horários de ponta e fora de ponta foram criados principalmente devido às limitações da rede de distribuição, ou seja, a maior parte da diferença de preço destes patamares está na componente TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição), que na proposta da nova regra não será contemplada.
Terceiro ponto, a fonte solar, a mais relevante do mercado de geração distribuída, não gera no antigo horário de ponta, mas gera mais energia justamente no novo horário de ponta do sistema.
Quarto ponto, o horário de ponta equivale a apenas 3 horas do dia e somente em dias úteis, reduzindo muito o volume de energia.
Quem já fez o investimento perderá dinheiro?
VERDADEIRO. O investimento em ativos de energia tem retorno no longo prazo. Alterar a regra para os que já estão em operação tem um impacto relevante e não deveria ocorrer.
Para os novos entrantes, esquecem do valor que já foi investido para o desenvolvimento dos projetos, que serão perdidos, pois neste novo contexto o investimento se torna inviável.
E o mais importante é o impacto gerado aos empreendedores e trabalhadores deste novo mercado, que investiram recursos financeiros e o seu bem mais precioso: o tempo. Certamente esta mudança terá um impacto devastador em empregos e negócios.
O governo quer acabar com a inovação. Micro e mini-geração distribuída é o futuro, e não adianta lutar contra
FALSO. A primeira afirmação da resposta do Ministério de Economia: “Acreditamos que o livre mercado é pautado pela inovação e o principal incentivo para que isso ocorra é o lucro” é fantástica .
Concordamos plenamente, pois o setor elétrico há mais de cem anos possui a mesma estrutura. No entanto, os negócios de transmissão e distribuição possuem um monopólio natural, sendo necessária uma alta regulação.
Portanto, a viabilização da geração distribuída, que naturalmente utiliza a rede de distribuição, depende do avanço da regulação, cujo papel é dar o sinal econômico certo para a evolução do sistema.
Somos também contra subsídios, pois o que está em pauta é a ineficiência do modelo tarifário em capturar os benefícios que a GD entrega para o sistema. O horário da geração é fundamental para capturar este benefício.
Micro e mini-geração distribuída representa uma pequena fatia do mercado, não é o momento de mexer nos subsídios
VERDADEIRO. Primeiramente, note que não podemos afirmar que há subsídio, dado que a estrutura tarifária é ineficiente.
Os R$ 34 bilhões certamente serão utilizados para a construção de novas linhas de transmissão para trazer a energia de lugares distantes para a carga.
A linha de transmissão construída para escoar a energia de Belo Monte por exemplo teve um investimento total de aproximadamente R$ 9 bilhões, sendo R$ 5,2 bilhões financiados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento).
A receita anual permitida foi de aproximadamente R$ 1 bilhão até 2035, o que equivale a um custo de R$ 16 bilhões (termos reais), sem contar o custo do crédito incentivado pelo BNDES.
A grande maioria dos projetos aprovados em leilão está localizada no Nordeste, o que exige a construção de linhas de transmissão para escoar esta energia para os maiores centros de consumo (regiões Sul e Sudeste) – destacamos isto como uma falha no documento publicado pelo Ministério da Economia.
Quem é a favor do Brasil não pode ser a favor de subsídios dos mais pobres para os mais ricos
FALSO. Nota-se mais uma vez um contrassenso no discurso do Ministério da Economia. O modelo defendido pelo Ministério da Economia privilegia fortemente as grandes corporações e os grandes projetos, nos quais a riqueza não é distribuída e, sim, concentrada.
O setor elétrico está sofrendo uma grande transformação e a presença de todos os tipos de investidores é muito importante, sejam grandes, médios e pequenos.
A visão de subsídio é equivocada, dado que não conseguimos capturar o benefício que a GD entrega para o sistema na estrutura tarifária atual.
A ANEEL precisa estar atenta, pois se tornar o serviço que a rede presta para a geração distribuída cara demais, forçará a migração para os sistemas com baterias, o que realmente pode impactar a arrecadação das distribuidoras e impactar o sistema elétrico que neste contexto se torna obsoleto.
O setor de geração distribuída permitiu o investimento decentralizado na expansão da geração, o que é fundamental para um país que poderá sofrer riscos de abastecimento com o crescimento da economia nos próximos anos.
A criação de novos empregos e a distribuição de riqueza em função da geração distribuída são muito relevantes e uma modificação equivocada das regras coloca em risco estes benefícios à sociedade.
Temos certeza de que o modelo decentralizado de investimento gera mais receita para o governo, pois investimentos de forma centralizada buscam otimizações tributárias e na maioria das vezes contam com financiamentos subsidiados (aqui, sim, há subsídios!) por bancos de desenvolvimento.
Defendemos uma discussão mais profunda da estrutura tarifária e de como podemos capturar os benefícios que a geração distribuída proporciona ao sistema elétrico.
Para isso, precisamos de uma visão muito mais ampla do setor e de uma discussão em um nível técnico muito mais profundo.
As análises realizadas até o momento foram muito superficiais e é preciso estar atento às afirmações que são feitas sem base de conhecimento mais sólida.